Quem cuida de quem cuida?

Escrito em 16/04/2023
Amanda Kovalczykovski e Isadora Dymow


Profissionais de saúde sofrem com lotação da emergência no Hospital Universitário. Foto: Amanda Kovalczykovski

Profissionais de saúde se dedicam ao tratamento e cuidado de pessoas, mas eles também demandam cuidados

Reportagem por Amanda Kovalczykovski e Isadora Dymow

Sair de casa, se deslocar até o trabalho, pegar plantão. Mais um desfalque na equipe, um técnico afastado por desgaste laboral. Demissão de mais um médico, a sobrecarga aumenta. O salário diminui. O dia continua. Checar prontuários e quadros dos pacientes. O senhor José* já pode ir para casa e a dona Maria* também melhorou. “Ufa, só 15 minutos para ir embora! Outro enfermo deu entrada. Criança de cinco anos, braço quebrado”. Ligar para o companheiro avisando que se atrasará mais uma vez para buscar a filha na escola. Chegar em casa, preparar o jantar, ouvir como foi o dia dos familiares. “Sabia que uma colega quebrou o braço hoje?”, sua filha conta. A lembrança da criança chorando no pronto atendimento retorna a sua mente.

A cabeça dói ao tentar lembrar se evoluiu todos os prontuários daquele dia. Conta para seu parceiro que hoje um paciente tentou agredir um membro da sua equipe, e a polícia foi acionada. Ele pergunta se o almoço que havia separado para levar estava bom. “Que almoço? Ah, aquela comida que foi colocada para dentro às quatro da tarde. Será que amanhã consigo sair para almoçar ao meio-dia?”. A vida dos profissionais da saúde não é fácil. Ainda que exerçam um papel essencial na sociedade ao contribuir com a saúde pública, a sobrecarga física e, principalmente, mental desses trabalhadores é frequente.

Atribuições como essas fazem parte do cotidiano de muitos trabalhadores da saúde. Eliane Amanda Simões, chefe da equipe de enfermagem da Emergência do Hospital Universitário da Universidade Federal de Santa Catarina (HU/UFSC), tem uma rotina parecida e, muitas vezes, sofre com a correria, sem ter muito para quem recorrer. Já avistou companheiros de equipe sendo notificados pela ouvidoria por passarem 15 minutos sentados, recuperando o fôlego, para retornarem ao trabalho. Minutos essenciais para a retomada do trabalho.

A desinformação é uma das responsáveis por esse mal-entendimento da sociedade. Eliane afirma que educar a população sobre as vivências do que é ser um profissional de saúde, iria desmistificar a ideia de "super-heróis". "Nós somos humanos como todo mundo e temos os mesmos direitos e deveres de qualquer cidadão”.

E quando precisam de ajuda, quem está à disposição? Com a sobrecarga de trabalho, baixos salários - frequentemente implicando em uma dupla jornada profissional - e tanto cuidado com outras vidas além da sua, zelar pela saúde própria é um desafio importante. À medida que o tempo de profissão aumenta, os relatos de esgotamento mental ficam mais comuns. “Muitos funcionários têm dois ou três empregos para tentar dar um conforto para sua família”, conta a enfermeira.

Insônia, alterações no humor, falta de apetite, pressão alta, dores de cabeça e musculares passam a ocorrer simultaneamente e é comum levar à Síndrome do Esgotamento Profissional, ou como é popularmente conhecida, a Síndrome de Burnout. Com a detecção precoce, é possível evitar casos extremos dessa exaustão. Mas como fazer isso de forma eficaz?

A saída muitas vezes é um acompanhamento incompleto, com a busca por um médico especialista para receitar drogas psicoativas, e a renovação de receitas através de colegas, sem o devido acompanhamento do tratamento. O psiquiatra e professor da UFSC Marcos Antônio Lopes atesta que a utilização de remédios sem orientação médica é um problema na sociedade, mas também dentro dos hospitais.



Serviços de saúde são prestados a pacientes de outros municípios. Foto: Amanda Kovalczykovski

Andrea Thais Xavier Rodrigues Hurtado, psicóloga no HU/UFSC, garante que uma atividade preventiva seria a melhor forma de evitar o desgaste mental e pensamentos suicidas. Esse cuidado incluiria uma carga de trabalho menos desgastante, valorização profissional e, principalmente, salarial. “Não adianta a gente se matar de trabalhar pra receber no final o suficiente só para sobreviver”, alerta.

Andrea e Marcos contam que, durante a pandemia do COVID-19, ocorreu uma movimentação por parte dos profissionais para um atendimento psicológico aos trabalhadores de saúde, porém, com a demanda da comunidade voltando à tona após o fim da pandemia, esses acolhimentos ficaram cada vez mais escassos e, com o tempo, se encerraram. 



Eliane Amanda Simões, enfermeira chefe da emergência do HU, ressalta a importância de uma visão humanizada acerca dos trabalhadores da saúde. Foto: Amanda Kovalczykovski

Cuidar do emocional vai além do atendimento psicológico e do tratamento medicamentoso. É preciso um tempo para conhecer um lugar na  cidade, aquele dia especial com a família, aquela saída com os amigos no fim de semana.Dez pedidos de demissão médica em um mês. Dez novos médicos contratados. Três ausentes da equipe de enfermagem por afastamento médico. Remanejar para outro setor.

Respira fundo. Mais um dia amanhã. Será que dona Maria consegue ir para casa ?